O caminho até casa pareceu-me mais frio e desconfortável, do que Londres realmente estava. A cidade preparava-se para a chuva, enquanto eu me mantinha com a minha camisa de verão na ponte que atravessa o Tamisa.

Naquele momento soa um trovão que me assusta e me faz soltar as lágrimas que tinha contido desde que saí da estação. Escorre uma gota, seguida de outra e cada vez são mais. Felizmente começa a chover, o que facilmente disfarçava a minha cara, mas não o inchaço que tinha nos olhos de tanto chorar. No entanto, não me parecia certo as lágrimas saberem-me a sal com tantas memórias doces que tinha.
De repente comecei a ouvir alguém a correr e a gritar por entre a chuva:
-Abby espera!- não reconheci a voz. Virei-me para trás e reparei no cabelo loiro, murcho, e na sua roupa encharcada, correndo até mim.
Parou ofegante e olhou-me nos olhos:
- Estás... Está a chorar..não estás?- perguntou estoirado e encharcado.
Sorri, acariciei-lhe a cara e decidi não lhe dizer a verdade.
- Não, tonto! Está a chover, é natural ter a cara molhada! Aliás, se fosse só a cara até estava bem.. Vamos andar?
Noah olhou-me nos olhos mais uma vez, suspirou e começou a andar.
- Como é que ainda tens a lata de me mentir? Não sabes porventura que eu sei tudo sobre ti?- perguntou, fazendo gestos de drama teatral que me deixaram à beira de um ataque de riso. Felizmente, foram só umas gargalhadas.
- Desiste! Eu encontrei os rapazes. Vinham com mais uma rapariga! E contaram-me que viram Monie fazer as malas. Estive mesmo agora na estação!- Noah conseguia ir até ao mais ínfimo do meu olhar para comprovar tudo aquilo que dizia. Era espantoso.
Não tinha vontade nem coragem para falar disto ainda. As lágrimas vieram aos olhos outra vez e naquela chuva torrencial, abracei Noah com muita força enquanto despejava tudo. Ele limitava-se a agarrar-me o cabelo e dizer que estava tudo bem.
Assim que acalmei, olhei para ele e sorri. Continuámos a andar, até à paragem de autocarro. Noah seguia-me como um cachorrinho, perto mas não tanto e sempre fiel a mim.
- Vem jantar lá a casa hoje! Aliás, vou convidar o pessoal todo. Fazemos uma jantarada!- exclamei. Bela ideia!
- Abby... São 9 e meia da noite! Que queres jantar? Eu cozinho!- disse Noah um pouco empolgado!
- Faz o que quiseres! Surpreende-nos..- respondi.

- Somos 6!- disse-lhe.
De volta a casa, indiquei a Noah onde ficava o quê naquela cozinha bárbara, a fim de o deixar fazer o jantar sem precisar muito de mim. Bem, era praticamente uma ceia ajantarada, pois já eram 10h e meia da noite quando chegámos. O autocarro deu um mísero toque no carro da frente, o que fez com que o condutor do carro virasse o Texas para o condutor, o que provocou uma troca de galhardetes entre ambos e os passageiros que esperassem...típico!
Eram 11 horas quando o pessoal chegou. A mesa já estava posta e o jantar estava "quase, quase pronto", como disse Noah. Quando nos sentámos, respirei fundo e resolvi dar a notícia:
- Como podem ver, a Harmonie não está a jantar connosco..
- Mas porquê? Queres que vá chamá-la ao quarto?- interrompeu Johnny.
Suspirei e continuei.
- Não, não vale a pena! Ela não janta porque nem sequer está em casa! Ela voltou para Berkshire por tempo indeterminado. Já falei com o director e ele compreendeu perfeitamente a situação.
Silêncio total.Apenas as caras mostravam-se confusas, preocupadas e chocadas.. Ao menos já diziam alguma coisa...
Cassie, a prima de Melodie, finalmente rompe o silêncio gélido.
- Mas o que se passou?
- O pai dela foi encontrado morto hoje de manhã... Suspeita-se que tenha sido assassinado!- respondi, estremecida pela forma fria como disse. Abatida, Cassie e os restantes espetaram uma garfada na massa bolonhesa feita por Noah.
Johnny parecia desesperadamente preocupado, ou seria chateado.
- Ela nem se despediu de..ninguém!- exclamou.
- Ela é assim! Odeia despedidas! Ela mandou-me dizer que te ama e que te vai dando algumas notícias... Pelo que conheço dela, já deve ter mandado ou então manda quando chegar a casa!- respondi com a boca quase cheia de massa.
Johnny foi buscar o telemóvel e sorriu. Pelos vistos estava certa sobre a mensagem..
- Ela diz que continua sem saber o que aconteceu na festa de ontem! Que tontinha! Bem, já é tarde e, se não se importam, eu vou andando. Deixo o prato na cozinha?- perguntou.
- Óbvio! Aqui não há criados! O que achaste do jantar?- retorquiu Noah por mim.
- Hmm... Uma maravilha! Adeus pessoal.- disse saindo rapidamente do apartamento. Acho que lhe ia ligar.
Não muito mais tarde, saiu Noah e Gabriel, que não dissera uma palavra durante o jantar.
Cassie recusou-se a dormir na cama de Monie, diz que não é digna de dormir nela, por isso arranjei-lhe uns cobertores para dormir no sofá.
Finalmente, deitei-me na cama, já com pijama e um Rick bastante introvertido.

Rick sorriu, beijou-me nos lábios e depois olhou-me nos olhos:
- Eu amo-te Abby! Acredita que me fazes o homem mais feliz do mundo!- declarou, agarrando-se a mim, de forma a encaixar-me no seu corpo.
- E ciumento também!- completei.
- É sinal que o meu amor por ti é verdadeiro!- disse beijando-me o pescoço.
Enrosquei-me mais a ele e o calor do seu corpo em conjunto com o frio da sua cara fez-me adormecer..
Na manhã seguinte, Rick beijou-me a orelha para me acordar e para me avisar que ia ao apartamento buscar as cenas para a escola. Fui-me arranjar e depois fui preparar os pequenos-almoços para mim, para Mel e para a prima.. Se ela acordasse!
Stark assustou-me ao roubar a minha torrada, que preparei com muita dedicação.
- Hey labrego! Essa torrada era minha!- sussurrei.
- Desculpa, mas estou com pressa. Ainda tenho de me preparar para as aulas! Depois pago-te um café.. - sussurrou para não acordar Cassie.
Assim que acabei de tomar o pequeno-almoço, Melodie desce já vestida mas ainda com ar ensonado.
- Oh não me digas que a Harmonie adormeceu outra vez!- disse quando se apercebeu que Monie não estava já despachada e se encaminhava para as escadas.
- Não vai ser necessário! Senta-te..- pedi.- Torradas ou cereais?
- Cereais! - respondeu enquanto se sentava na banca.- Mas o que se passa? Conta.
- O pai dela morreu! Ela voltou para Berkshire... Para organizar as coisas!- expliquei enquanto arrumava a loiça.
Melodie entristeceu.
- O pai dela morreu de quê? Ele não era muito velho e era bastante querido!
- Foi assassinado!
- Oh meu Deus!! Estou chocada! E porque é que ela não me disse nada?- exclamou.
Sorri melancolicamente.
- Acho que ela é tão especial que ela própria disse que esta noite seria a vossa noite D! Sabes como é que ela é, não quer incomodar..- ri-me.- Aliás, ela só se despediu de mim porque a levei ao comboio. Nem do Johnny, tadito!- suspirei.
Sentei-me com ela e ambas já sentíamos saudades dela.
Cassie acorda e vai abraçar Melodie que começa a chorar. Contive o meu para não parecer uma Maria Madalena.

Melodie limpa as lágrimas, larga Cassie e beija-lhe a face repenicadamente.
- Tens razão! Vamos...preciso de desanuviar a cabeça!
Peguei na minha mala e exclamei bem alto:
- Harmonie! Isto sem ti é uma seca!
*A
Londres, 16 de Setembro de 2010
Londres, 16 de Setembro de 2010
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