"Can't you see what our lies have come to be?"
Melodie entrara em coma há uma semana após o acidente e a vida mergulhou numa monotonia de trocas de turnos que nos fazia sentir estúpidos e responsáveis. Ela não tinha mais ninguém. Nem pais. Nem família. Só nós.

No meio dos meus pensamentos, notei que a multidão se movia, atenta aos movimentos de alguém. Monie esboçava um tom negro e frio, tinha a cara pálida e durante esta semana mal tem comido.
- O médico disse que era um rapaz! Mal se estava a desenvolver e foi logo esmagado pelo corpo de Mel quando este caía pelas escadas abaixo..- declarou pausadamente como se estivesse a engolir a dor.- Achas que foi de propósito?
Não olhei para ela, nem consegui desviar o olhar do vazio.
- Não nos cabe a nós julgar, apenas servimos para estar com ela. Mas duvido que tenha feito de propósito.- respondi, com cólera.- Queres sair daqui? Talvez comer alguma coisa?
Pensei que surtiria algum efeito uma caneca de café e um ambiente mais descontraído mas de nada fez para apagar momentaneamente a ansiedade e o cansaço que pairava em cima de nós. Monie estava devastada, notava-se. Provavelmente, a culpa estava a consumi-la por dentro. Por se ter ausentado, por se ter focado tanto na discussão com Johnny que se esqueceu dele por completo. Não sei, apenas sei que lhe restam forças para existir.
- Não comes o donut?- perguntei.
- Não tenho fome.- respondeu, seguido de um suspiro enorme.- Não fui capaz de lhe falar. Só de ver a cara dele comecei logo a lembrar do... Entrei calada e saí muda!
- Bem- disse, acabada de dar o último gole de café- isso tem deser resolvido, miuda. Estás a morrer por dentro e tu sabes disso.Tens de pelo menos decidir o que fazer em relação a vocês.
A conversa suspendeu-se quando Cassie apareceu e Monie arranjou uma desculpa plausível para sair. Cassie, por sua vez, estava em estado de choque pelo acidente da prima e com um sentimento de culpa por ter estragado o relacionamento mais sólido da casa.
- Ela nunca me vai perdoar pois não? Bolas, porque é que nuncapenso nas pessoas que saem magoadas?!- desabafou, passando as mãos pela cara.
-Dá-lhe tempo! Ela ainda está a absorver tudo o que aconteceu. Vais ficar aqui? É que eu tenho de ir para casa. - respondi.
Cassie assentiu, dizendo que tinha de se preparar para aguentar 5 horas numa sala de hospital mórbida onde estava a prima.
Quando acabei de passar os apontamentos, o telemóvel tocou.
" Hey, é o Gabriel! Era só para saber como vão as coisas e se tu e a Monie vêm até à faculdade amanhã!"
- Eu não, estou a acompanhar a Melodie, mas a Monie é capaz de ir. Porquê?- respondi secamente.
"Nada.. Só para saber! Fico feliz por ela já estar cá! Tem um resto de bom dia"
Quando desliguei, Harmonie estava à minha porta.
- Era o Gabriel?- perguntou à qual eu apenas assenti- Nunca mais o vi por cá.. Tenho saudades de estarmos todos juntos e felizes.
- Monie, eu penso imensa desculpa mas estou sem paciência para lamechices. Ando preocupada demais com tudo e todos e nem tenho tempo só para mim. Vou dar uma volta ok?- respondi secamente.

- Pareces o Stark! Coitadito, deve tar mesmo em baixo. Devo esperar-te para jantar?
- Não, o Rick e eu combinámos ir sair hoje. Até logo!
Não sou capaz de me habituar a mudanças na minha rotina, nem ao ambiente tenso que agora se instalou em casa. A verdade é que acho que Johnny tomou a decisão mais estúpida ao beijar Cassie, mas que rapaz não cedia aos pedidos dela perante os seus atributos. Também acho que Melodie tomou a decisão errado ao envolver-se com Adam, mas também perante o passados dos dois..
Resolvi passar pela casa de Stark, ainda estava a dois quarteirões de distância e eram só duas da tarde, pelo que não achei que fosse causar qualquer incómodo.
Quando Stark abriu a porta estava irreconhecível, destacando-se (e de que maneira) os seus olhos vermelhos, cabelo despenteado e roupa desmazelada. Ainda assim esboçava um sorriso.
- Meu Deus! O que te aconteceu?- perguntei alarmada- Como é que estás?
Este Stark não era o que eu conhecia, arrumado e sempre preocupado com a sua higiene. Porém sorriu, olhando-me de alto a baixo.

Ao entrar, conseguia-se distinguir uma espécie de neblina a pairar pela casa e o cheiro intenso e hipnotizante a marijuana. A entrada estava decorada com fotografias de família na parede e um tapete antigo que se encontrava em péssimo estado. Stark empurrou-me para a sala, onde a nuvem era mais intensa e, na pequena mesa central, se encontrava a fonte. Havia uma televisão ligada na VH1, na qual estava a dar um dos grandes e fabulosos concertos dos Queen, uma estante cheia de livros aparentemente velhos e por cima dela estava um estojo de violino com uma leve camada de pó na superfície.
- Esta casa está uma pocilga,Stark! O que te aconteceu? - perguntei, engolindo um trago de uma garrafa de vodca.
Stark sorriu e passou-me o braço pelos ombros.
- Abby, querida, descontrai! Estou só a dar um miminho a mim próprio... Não é obrigatório estarmos todos de luto pelo que aconteceu, eh? Para além disso, já não me interessa para nada estudar aquele pedaço podre com cordas! Não é capaz de salvar vidas e eu muito menos...Primeiro o meu filho e agora é a mulher que amo!- respondeu agressivamente, puxando o fumo de um charro acabado de fazer- Mas como disse,é só um miminho...Queres?
Ele tinha razão, por mais vontade que tenhamos, o que aconteceu foi inevitável. Tirei-lhe o charro da mão e sorri.
- Também preciso de um miminho assim..
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